1)É impreciso afirmar que os primeiros crentes pentecostais a retornarem do Norte do país para o RN são os citados na narrativa oficial, ou seja, crentes que voltaram do Pará e se restabeleceram em Natal em 1916. Uma simples visita a regiões como Pedro Velho e adjacências, e especialmente ao distrito do Cuité, mostraria que antes desta data já existiam crentes pentecostais no Estado.
2) Uma simples pesquisa de campo revelaria que um ex-seringueiro chamado Manoel Luiz de França converteu-se no Pará e trouxe a fé evangélica para os seus familiares, no distrito de Cuité, em Pedro Velho; ao divulgar a mensagem do evangelho pentecostal, transformou a sua propriedade em um templo para a divulgação da mensagem das Boas Novas. Devido a este templo e a conversão de sua família, este lugar passou a ser chamado, até aos dias de hoje, de Cuité dos crentes, para diferenciar da Rua do Cuité, o Cuité propriamente dito, de predomínio católico. Isto ocorreu nos idos de 1911. Esta narrativa já foi alvo de um texto publicado pelo cientista da religião João Bosco de Souza, em seu livro “Metamorphosis e Nekrosis”, no ano de 2007, além de reportagens impressas, publicadas neste ano de 2008 .
3) Este templo foi reformado no início da década de 50, com a anuência do pastor Eugênio Pires (pastor presidente da AD), mediante arrecadação de fundos organizada pela irmã Asmi Lopes(neta do fundador), tendo a obra de reforma sido concluída em 1952. Embora tenha sido construído um novo templo ao lado do antigo(que foi transformado em departamento do templo atual), ainda é possível ver a estrutura do antigo templo. Neste sentido, devemos lastimar a falta de preservação história, pois acredito que tal templo deveria ter sido tombado pela instituição (mas neste ponto já é querer demais para uma instituição que sofre de amnésia histórica).
4) Uma simples pesquisa nos textos de Câmara Cascudo, na obra “História da Cidade do Natal”, no capítulo XXXIX, que tem como título “Outro rebanho de Deus”, permitiria ao historiador sério uma pesquisa mais acurada, pois neste texto o ilustre intelectual aponta datas bem distintas para o pentecostalismo em solo natalense, como a vinda das primeiras famílias pentecostais em 1914, por exemplo, e cultos particulares ocorrendo nas casas entre 1915-17. Só o fato de existirem datas discrepantes seria motivo suficiente, para um historiador sério, de uma análise mais cuidadosa do material disponível. E antes que acusem Cascudo de herético ou coisa semelhante, é bom lembrar que uma de suas fontes foi nada menos que o saudoso pastor Eugênio Martins Pires, ex-pastor presidente da Assembléia de Deus em nosso Estado.
5) Se os fundadores do trabalho pioneiro já se encontram na glória eterna, no entanto seus familiares, netos e bisnetos, bem como conhecidos, ainda se encontram entre nós, e poderiam perfeitamente relatar, a quem interessasse, detalhes desta história pioneira. As famílias de alguns dos primeiros crentes da igreja do Cuité (por exemplo, o Pr. Manoel Veloso Sobrinho e esposa Minervina Luiz de França, Onorina Soares esposa do maestro Manoel Andrade, Sirineu Peixoto esposo da irmã Abigail Sotero e Francisco Taveira, também um dos primeiros dirigentes da igreja) ainda se encontram entre nós, e poderiam elucidar lacunas históricas bem como fornecer documentos e fotos esclarecedoras. É lamentável que a instituição AD não tenha tido o cuidado de entrevistar testemunhas quase centenárias destes eventos, que ainda se encontram vivas, fazendo com que se perca uma narrativa elucidativa destes fatos. Ainda se encontra viva, por exemplo, a senhora que cuidou do fundador do trabalho em Cuité(Pedro Velho), Zulmira Freire de Lima, esposa de Sebastião Neto, atualmente na Assembléia de Deus em Canguaretama, quase centenária, bem como a senhora (em um asilo em Natal) cuja casa serviu de templo temporário, quando o antigo templo ameaçou ruir. O que quer a instituição? Esperar que estas pessoas morram? Como devemos entender tamanho desleixo histórico, a não ser o interesse mesquinho e egoísta de não admitir que a “estória” oficial possui falhas inadmissíveis?
6)É sintomático a falta de intuição histórica de nossos “estoriadores oficiais” quando se encontram diante do relato oficial(registrado acima). Nunca se perguntaram de onde haviam surgidos os crentes batizados pelo pastor Adriano Nobre, em Goianinha(região próxima a Pedro Velho)? Ou de onde haviam surgido os irmãos que se congregavam no “Sítio Moreira”, durante as primeiras incursões ao interior do Estado? Quero lembrar neste ponto que uma das netas do fundador, a irmã Asmi Lopes, menciona, em declaração que pode ser encontrada no livro “Metamorphosis e Nekrosis”, do pesquisador João Bosco de Sousa, na página 55, lembranças de sua mãe, Olívia Luiz de França, acerca de uma localidade na região de Pedro Velho, conhecida por Moreira, que já possuíam crentes pentecostais. Será que eles não sabem que Vila Nova era o antigo nome de Pedro Velho, corroborando assim o relato de Olívia Luiz de França? Será que este monte de evidências não aponta para a origem da Assembléia de Deus no interior do Estado e não na capital, e que um dos focos irradiadores não seria justamente a região localizada nos arredores de Pedro Velho, na qual a igreja do Cuité é o melhor exemplo? Estas informações fariam a alegria de qualquer historiador, veterano ou iniciante, pois se constituem em autênticas preciosidades informativas. Quanto aos nossos “estoriadores oficiais” a única atitude até agora é o silêncio envergonhado e acanhado daqueles que tentam empurrar goela abaixo um narrativa recheada de lacunas.
7)Se o primeiro crente foi batizado com o Espírito Santo em 1917 e o primeiro batismo nas águas ocorreu em 1918(conforme relato oficial acima), como explicar um documento, reconhecido oficialmente, com datas de batismo em águas e no Espírito Santo discrepantes da narrativa oficial, ou seja, como explicar o batismo oficial e reconhecido de uma norteriograndense, da igreja do Cuité, em Pedro Velho, em 1916? Queriam um documento comprobatório das afirmações feitas? Que tal o passado verdadeiro desmascarando o presente ilusório? Vide documento abaixo. Com a palavra, os “estoriadores oficiais”!
Creio que basta! Poderia ainda citar outras informações, mas creio que as citadas já são suficientes. Qual é a bandeira de nossa luta (e neste ponto faço questão de lembrar que não estou sozinho nesta luta)? Qual é o nosso interesse? Por que incomodar as pessoas com este assunto?
Pode parecer estranho, mas não queremos obter nenhum reconhecimento nem qualquer espécie de lucro com esta peleja incomum (poucas vozes clamando no deserto contra a versão oficial de uma poderosa e quase centenária instituição). Aos pioneiros, conhecidos ou não, o Todo-Poderoso já reservou para eles o grandioso galardão, a coroa da justiça (II Tm.4:8). Eles foram heróis, desbravadores, lutadores e defensores daquela fé que uma vez foi dada aos santos (jd.3). Qualquer prêmio que deveria ser dado aos mesmos, eles já receberam e receberão das mãos do único senhor a qual lhes interessava servir (Mt. 25: 34).
O que queremos é que seja feita justiça histórica: que seja mencionado o trabalho dos pioneiros, não de forma disfarçada, mas explicitamente. Que no relato oficial os seus nomes (daqueles que são conhecidos) sejam citados. Que sejam mencionados, de forma explícita, referência aos anônimos que fundaram trabalhos e evangelizaram pelo interior do Estado. Que a instituição empreenda, de forma séria, um resgate histórico desta narrativa, não esperando que as fontes venham à instituição (atitude impensável em um pesquisador), mas que ela se dirija às fontes orais e documentais(é isto que se espera de uma pesquisa séria). Que se diga, de forma franca e compreensível, que o que se está comemorando são os 90 anos de trabalho da Assembléia de Deus na capital do Estado, e não no Rio Grande do Norte. Será que estas bandeiras são absurdas? Não! Isto é apenas bom senso. O que passa disto nada mais é que empulhação e má fé.
Antes de encerrar convém uma última observação. É comum o processo de descaracterizar uma crítica, criticando o autor da mesma. Isto é falacioso. Em lógica chamamos a isto de falácia Ad Hominem. Minhas credenciais neste caso são impecáveis. Sou professor efetivo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, lotado no Departamento de Filosofia, concursado em 1994. Sou membro da igreja Assembléia de Deus (RN) desde 1985(batismo nas águas), embora tenha freqüentado a igreja desde os meus primeiros anos de vida(tenho 41 anos ). Nunca fui admoestado por qualquer tipo de comportamento inadequado. Acima de tudo: sou bisneto, com muito orgulho e veneração, de Manoel Luiz de França, o fundador do trabalho em Cuité, Pedro Velho, bem como admirador dos outros pioneiros, que infelizmente continuam no anonimato devido à falta de uma pesquisa séria e honesta. Minha luta (e de outros) é uma questão de consciência, e como disse Martinho Lutero, não podemos ir contra a nossa consciência.
Sérgio Eduardo Lima da Silva
Setembro de 2008
Vale apena visitar o site abaixo
http://joaobosco.wordpress.com/2008/09/06/90-anos-das-assembleias-de-deus-no-rn-um-equivoco-historico/